O jovem suspirou. Sabia que a fala do seu capitão era verdade, mas isso não era o suficiente para aquietar a sua mente. Ele nada dizia, mas meneava a cabeça positivamente, respirando bem fundo antes de se deitar para tentar tirar um cochilo. A maioria dos outros garotos já dormiam, com apenas dois se remexendo inquietos e sem sono. Liu Feng se afastava deles, como que para não incomodá-los, embora fosse aquele a fazer menos barulho.

Conforme os minutos se estendiam em horas, o pirata meditava profundamente, se preparando para o que viria a seguir. O sol descia cada vez mais, tingindo o cenário com uma cor alaranjada, como se tudo estivesse em chamas. Apesar disso, a temperatura diminuía, indicando uma noite fria. Eventualmente, o sol se escondeu além do horizonte e Liu Feng se levantou, acordando os garotos. Kane tomou a dianteira do Esquadrão Ω Caos!

Nuvens pesadas eram visíveis, ainda distantes, mas o vento forte prometia trazê-las para Polestar em breve. — Parece que uma tempestade está se formando… — Dizia um dos garotos. — Isso não é um bom sinal. — Murmurava outro, levando um tapa no ombro para ficar quieto. — Estamos prontos, Capitão. — Kane informava.

Liu Feng:

Feng repassava o plano mais uma vez e seu grupo ouvia com atenção. Mercy, que estava ali o tempo todo em silêncio, se aproximou e disse baixinho: — Apenas se lembre da sua promessa! — Com isso, ela partiu na frente, levando-os até Flint.

Após uns trinta minutos de caminhada, chegaram a um casarão abandonado no subúrbio da ilha. Dois piratas guardavam o umbral, pois a porta havia sido levada a anos: Um deles usava uma bandana e estava de cócoras, encostado na parede; o outro estava em pé, com duas pistolas presas na altura do quadril. Mercy parou a poucos passos deles. — Flint está aí? — O da bandana apenas meneou a cabeça e a mulher seguiu em frente, passando por entre os dois sem mais nenhuma palavra.

Feng e os demais garotos a seguiram, com os dois vigias encarando-os a todos. Apenas dois dos garotos do grupo, aqueles mais jovens, pareceram incomodados com o olhar dos piratas, os demais ignoraram-os. Kane, por outro lado, sustentou o olhar do pistoleiro, olhando para cima, mas de peito e queixo erguido.

Dali eles seguiram por corredores sujos e escuros, vislumbrando alguns quartos onde a maioria dos piratas ainda dormiam. Por fim, chegaram em um cômodo mais espaçoso, o qual havia sido transformado no quarto do capitão. Nataniel Flint estava lá, treinando esgrima contra dois outros piratas, mas sem demonstrar nenhuma dificuldade no combate. — Voltamos. — Ao ver a chegada de Mercy e os demais, derrubou ambos os oponentes, finalizando com o pé sobre um e a espada apontada para a garganta do outro. — Saiam! — Dizia, colocando sua espada na bainha e seguindo até seu trono, que era nada mais do que uma velha cadeira de mogno com espaldar alto.

Enquanto os dois piratas caídos pegavam suas coisas e partiam, Mercy seguia até o lado do trono do seu capitão e se prostrava ereta, sem nenhuma palavra. Feng já conhecia Flint, mas agora podia vê-lo sem camisa: O pirata era quase tão musculoso quanto ele. Limpando o suor com uma toalha e bebendo um pouco do que aparentava ser vinho, Flint se sentava e observava Feng e os demais. — Eu lhe dou uma das minhas melhores subordinadas e é isso que você me traz, garoto? — Ele gesticulava na direção dos garotos e começava a contá-los, lentamente. — Você acha que onze crianças vão dar conta dos marinheiros que estão na praça?! — Ele fazia um som de escárnio e cuspia no chão, próximo ao pé de Feng. O pirata louco viu Kane fechar o punho e mover brevemente o pé para frente, mas logo ele relaxou, provavelmente lembrando das palavras de Feng mais cedo e deixando para que seu capitão tomasse as rédeas da situação.

Liu Feng:

O pirata louco se empolgava e fazia um verdadeiro monólogo, cuspindo informações e vantagens sem dar tempo de resposta para o seu veterano. Pelo canto do olho, viu Mercy revirando os olhos por um momento, decepcionada. Por fim, o silêncio finalmente retornou ao recinto e, após alguns segundos, Flint caiu na risada.


Ele olhava para Mercy por um momento, que permanecia austera como uma estátua esculpida em mármore, e voltava o olhar para Feng. — Parece que eu não consegui um garoto, mas sim um cachorro fiel! FHAFHAFHA! — Ele emborcou a taça e bebeu o resto do vinho, jogando a taça na parede mais próxima, despedaçando-a em incontáveis cacos.

— São tantas vantagens que eu fiquei com vontade de correr para a praça da ilha, sozinho, com minha espada em mãos, gritando para todos como sou foda pra caralho! — Ele gargalhava mais uma vez. — Mas e você, garoto, vai ganhar o que com isso? — Ele esperava por um momento, mas assim que Feng abrisse a boca seria interrompido. — Não espere que eu acredite que você está fazendo isso pelo poder da amizade! FHAFHAFHA! Nem aqueles canalhas da marinha são imbecis dessa forma! — Se curvando para frente, com a destra no cabo da espada, indagou: — Então haja feito um homem e me diga o que você quer, garoto?

Liu Feng:

Liu Feng entregava mais um discurso cheio de eloquência, despertando a curiosidade do pirata com 15 milhões por sua cabeça e, logo após, sua atenção.


O louco concluía com uma bravata, a qual poderia irritar facilmente muitos homens, mas Flint apenas gargalhava. — Ora, ora, até que o garoto tem garra! — Ele olhava para Kane e seu grupo, soltando o cabo da espada e se virando para Mercy. — Você acredita que esses garotos darão conta do recado? — Ela simulava a atitude do capitão, observando os garotos um a um antes de lhe responder: — Acredito que sim. Talvez um ou outro seja perdido no caminho, mas os fracos não farão falta.

Flint ria com a resposta da ruiva e Feng via-o demorar o olhar brevemente acima do seu ombro, provavelmente percebendo algo na expressão de Kane. Mesmo sem vê-lo, Feng sentia o mais velho, um passo atrás de si, retesando cada músculo do seu corpo para se manter parado e em silêncio. A perda de seus irmãos ainda era recente e cada fibra do seu corpo queria arrebentar a cara daqueles dois mais a frente. Por fim, os dois capitães voltavam a se encarar.

— Ok, ok, eu cedo! — Dizia, levantando as mãos com as palmas abertas. — Eu sequer deveria ser um pirata, de tão bom que eu sou. — Brincava, com um sorriso zombeteiro no rosto. — Vamos resgatar os seus amigos e eu farei questão de você ter a sua chance de se vingar desses sargentos. — Ele se levantava e ia até a lateral do quarto, vestindo uma camisa branca, um cinto com uma pistola presa nele e jogando uma capa sobre os ombros. — Espero que seus amigos não me decepcione, pois pretendo usá-los depois. Eu realmente espero que sejam melhores do que isso! — Ele passava por entre Feng e os garotos e dava um misto de tapa e empurrão na cabeça de Kane, derrubando-o. O garoto fechava os punhos, ainda no chão, com Flint seguindo para fora do quarto com Mercy a tira-colo. — ACORDEM, BANDO DE PANACAS! É HORA DE MATAR PORCOS!

Liu Feng:

Paciência não era uma virtude de Kane e Liu Feng sabia disso. O garoto só conseguia se imaginar revidando o tapa/empurrão, mas seu capitão conseguia convencê-lo a resistir ao impulso. Os outros garotos também pareciam inquietos, embora mais contidos. Era como se eles tivessem saído da frigideira direto para o fogo. Após um momento de ponderação, Kane escolhia dois dos garotos e indicava o que eles precisavam fazer, com estes correndo rumo a praça logo em seguida. Restavam dez.

Em menos de quinze minutos, estavam todos na entrada do casarão. Alguns piratas comiam, outros bebiam e os últimos apenas esperavam, de cara fechada por terem acordado antes da hora. Falando em alto e bom som, Flint dizia: — Hoje os marinheiros irão matar dois dos nossos… companheiros piratas, na praça de execução. Eles querem mostrar ao povo como eles são fortes. Bem… — Ele parava por um momento, abrindo os braços e gesticulando para todos os presentes. — Que tal mostrarmos a eles quem é verdadeiramente forte por aqui?! — Os piratas gritavam, animados, prontos e ansiosos pelo combate.

Com um gesto de Flint, três deles partiam na frente. Eram homens esguios e de roupas negras e deveriam ter um papel similar aos dois garotos escolhidos por Kane. Os demais seguiam num grande grupo rumo à praça de execução. Apesar de evitarem as ruas principais, o grupo ainda atraia atenção dos civis, mas a princípio não surgiu nenhum marinheiro para atrapalhá-los.


Eventualmente o grupo parou e se reuniu num largo beco próximo a praça. Adiante deles havia uma multidão de civis amontoados na grande área aberta, esperando pelo show. Ao longe, do outro lado da praça, era possível ver a alta plataforma onde o ex-Rei dos Piratas foi executado. À frente desta plataforma havia outra, mais recente e menor, onde dois carrascos aguardavam. — Parece que seus amigos não merecem o palco principal! — Disse o capitão, rindo.

A boa notícia era que Alduin e Noi ainda não estavam lá, o que dava ao grupo algum tempo extra para agir. Um dos garotos veio correndo da praça, se espremendo por entre a multidão, até parar na frente de Kane. — Nós vimos os dois prisioneiros. Eles estão atrás da grande plataforma. — Informou, embora o outro garoto não estivesse por ali. — Dizem que vai começar daqui a uns dez minutos e tem vários marinheiros por lá, mas não vimos mais nenhum em nenhum outro lugar. — O grupo recebia essa notícia com um misto de bom humor e incerteza.

Para complementar, um dos piratas de Flint vinha pela parte de trás, arrastando um marinheiro e jogando-o entre o grande grupo de piratas. — Chefe, achei um porco pelos telhados. — O marinheiro não devia ter mais do que dezoito anos e estava aterrorizado, além de estar com vários ferimentos de corte e com a farda completamente imunda. A maioria dos piratas apenas ria do marine, uma risada cheia de desdém e maldade.

Liu Feng:

Sem pensar, o louco agia e acertava o rosto do marine com um potente pisão. Os risos pararam. O marine apagou com o golpe, com um filete de sangue escorrendo pela testa e caindo no solo pedregoso e sujo. Quando levantou o pé para terminar de vez com a vida do soldado, Flint o agarrou pelo colarinho e o puxou, encarando-o com o rosto a milímetros de distância. — Seu imbecil! Eu mandei matá-lo?! — Após um momento de tensão, Flint jogava Feng para o lado. — Novato filho da puta!

Ele puxava o marine pelo cabelo e o sacudia, mas o soldado havia apagado de vez. — Fracote do caralho! — Irado, arremessava-o para uma parede próxima, mais uma vez se aproximando de Liu Feng. — Ele tinha informações que agora nós não temos! — O capitão enfiava o dedo no peito do louco, empurrando-o alguns centímetros. — Cada oficial que eu perder por sua impaciência será descontado no seu couro, entendeu garoto?! — Flint dava-lhe mais um empurrão com o dedo, virando-se e andando pelo beco estreito, irritado.

Tentando amenizar a situação, Liu Feng propunha um plano, colocando ele e os garotos numa situação mais arriscada e deixando Flint e os seus como meros suportes. Flint gesticulava com a mão, indicando para seus comparsas seguir o plano dito. Kane escolhia mais três garotos, que seguiam as indicações de Liu Feng. O mais novo que havia vindo com informações sobre a execução havia retornado para o meio da praça. Com isso, restavam sete garotos. — Sou Flint, o Tirano. — Bradava, ainda de expressão fechada. — Agora vamos! Adiante, cambada! — E seus homens começaram a sair do beco, se mesclando à multidão. Desta vez, sem gritos de triunfo.

Liu Feng:

Liu Feng fazia uma rima para os garotos, com um deles rindo lá do fundo, antes destes se dispersarem na multidão como os outros. O louco pensava em usar as roupas do marine, mas estavam sujas e cortadas, o que chamaria mais atenção do que não usá-las, então ele partiu sem elas.

A praça era circular e a multidão se concentrava mais e mais conforme o pirata se aproximava da plataforma de execução, tornando seu avanço cada vez mais lento, independente de por onde tentava passar. Quando percorreu cerca de metade do caminho, ouviu o soar de cornetas, o que não era um bom sinal.


Com o anúncio do que estava por vir, o murmurinho entre os civis se transformou num silêncio absoluto. Liu Feng apressou o passo, vendo Mercy e Flint fazendo o mesmo à sua direita e Kane à sua esquerda. O avanço do grupo gerando reclamações dos civis ao redor. As nuvens pesadas se aproximavam cada vez mais, escondendo o sol e nublando a praça, dando a impressão de estar anoitecendo apesar de ser apenas oito da manhã. A iminência de uma tempestade não parecia incomodar os civis por ali.

Após um breve som de estática, Feng ouviu uma voz conhecida vindo da plataforma: — Hoje é a execução de dois piratas, Alduin e Noi, colaboradores do pirata Liu Feng. — Era a voz do Sargento Galzo. Feng conseguia ver Alduin aparecendo no topo da plataforma, subindo as escadas lentamente e sendo puxado por Saki, o outro sargento que lhe jurara vingança. O dragão de aço estava com correntes prendendo seus braços e pernas, mas parecia fisicamente bem. — Seus crimes são latrocínio, extorsão, falsificação, lesão corporal, tráfico de drogas, terrorismo, homicídio… — A lista continuava, mas o momento da execução se aproximava rapidamente. Liu Feng precisava correr ou, em breve, não teria mais motivos para o fazer.

Liu Feng: